Campo Inclinado

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quarta-feira, novembro 02, 2005

A crónica do Mandume

    Peseiro e o Bento da mudança


Ainda é muito cedo para falar das virtudes ou defeitos do novo treinador do Sporting. Comentar umas e outros requer um tempo de maceração que ainda não existe. Paulo Bento é um perfeito neófito nestas andanças e seria, portanto, uma injustiça expender comentários ao seu curto reinado: injustiça para com ele ou para com outros, nomeadamente Peseiro. As únicas análises passíveis de serem feitas neste momento, prendem-se sobretudo com as diferenças já detectadas entre ambos, menos na articulação da equipa e mais nas escolhas efectudas.

Peseiro é, aliás, um verdadeiro case study: homem honesto, integridade à prova de bala, capacidade de trabalho inatacável e resultados miseráveis. Eu sou daqueles que costuma dizer que o trabalho honesto compensa sempre. Não sei se o futebol é um mundo particular onde isso não acontece; o que eu sei é que no caso de Peseiro, mau grado todas as suas virtudes, ele não só não logrou alcançar glória, como partiu numa posição extremamente fragilizada que lhe terá fechado muitas portas (menos talvez as do rival das "Antas" onde os mal-amados dos clubes de Lisboa têm sempre um porto de abrigo).

Os "pecados" de Peseiro já foram escalpelizados até á exaustão; não há bicho-careta em Portugal que não tenha atirado a sua pedrita, com maior ou menor contundência, ao pobre do homem. Esteve mal Dias da Cunha ao defender Peseiro até ao limite do insuportável, esteve bem Dias da Cunha ao sair com ele e ao dirigir-lhe palavras de apreço e solidariedade na hora do adeus. Um e outro são homens de espinha direita e mostraram-no na despedida.

Tenho para mim que o principal defeito de Peseiro foi a falta de pulso para a indisciplina: «os fracos homens tornam fracas as fortes gentes». Tenho também para mim que Peseiro é muito mau na leitura do jogo e na disposição táctica. Disse-o, há muito tempo atrás que, em minha opinião, os grandes jogos do Sporting na época passada se deveram mais à qualidade do plantel e menos aos esquemas utilizados pela equipa. Disse também, durante a pré-epoca, que a disposição de Peseiro em limitar a equipa nos seus movimentos ofensivos iria ser o princípio do fim e foi; mexeu na única coisa que funcionava bem e que não se devia à sua intervenção: os movimentos atacantes. E a partir do momento em que começou a pactuar com a indisciplina ficou refém dos líderes do balneário, refém do descontentamento dos restantes jogadores e refém do menor rendimento da equipa toda. Era uma morte adiada e que o foi por demasiado tempo. Deveriam ter desligado a máquina há muito.

Dias da Cunha, ficou, por sua vez, refém de Peseiro. Os poderes alargados que, a meu ver, irresponsavelmente, lhe foram cometidos, teriam de ter este resultado: a saída de ambos em caso de maus resultados. No meio de tanta "desgraça", valha-nos ao menos isso: no Sporting a culpa não morre solteira.

Se como treinador Peseiro deixou a desejar, já como Gestor de Activos foi um completo desastre: Wender, João Alves, Edson e Luís Loureiro não têm qualidade para integrar a equipa do Sporting. No caso de João Alves poder-se-à argumentar que se trata de um jogador em evolução pelo que lhe deverá ser dado o benefício da dúvida. Estou de acordo. E os outros? E que dizer do não aproveitamento dos jovens da academia que sempre que foram chamados à liça mostraram qualidades iguais ou superiores aos idosos reforços? E que dizer da venda de Enakarhire em contraponto à teimosia em manter a titularidade a um dos piores centrais da Liga, de seu nome Polga, também ele autor de actos de indisciplina?

Muito sinceramente, penso que Peseiro cavou a sua própria sepultura, pois não leu os sinais (e foram muitos) e apesar de ter tido muito tempo para emendar a mão, não o fez, fruto da estimativa que fazia da sua gestão. Sobrestimou-se e sobrestimou o crédito que pensava ter junto das gentes sportinguistas. Lá está, não viu os sinais.

Paulo Bento: um homem que parece manter o carácter que se lhe reconhecia como jogador. Raçudo, leal e honesto. Não hesitou em afrontar o Conselho Directivo com palavras menos cordatas aquando das saídas de Rui Jorge e Pedro Barbosa e a sua isenção e verticalidade terão sido (também) agora premiadas. Como já disse, é muito cedo para começar a apontar defeitos e/ou virtudes. Há, no entanto, pelo menos um aspecto que pode, desde já, ser assinalado: não está de acordo com as opções técnicas de Peseiro. Vai dando a titularidade a Nani e André Marques e retirou Deivide, Luís Loureiro e Wender da equipa. E aplicou desde já medidas com as quais estou de acordo: não é na hora do aperto que se devem lançar jovens como o fazia Peseiro. Quando uma equipa está a perder e sem ideias, lançar um jovem é a maneira mais rápida de o queimar. Viu-se no Bessa uma opção correctíssima: primeiro a titularidade e só depois a poupança. A titularidade é que dá confiança; não é ser segunda opção e ser lançado em caso de desespero.
Esteve bem Paulo Bento ao dar a titularidade a André Marques e a Nani, poupando mais tarde o primeiro pois estava a levar com vagas sucessivas de dois dos melhores pontas nacionais e dando ao segundo o alento que o terá levado a marcar aquele golo que o emocionou às lágrimas. E é com lágrimas destas que se faz o futuro do Sporting e não com Wender's e afins. Estou curioso e ansioso que Tonel recupere pois estou convicto de que a hora de Polga também chegará e que, a repetir as últimas exibições, Douala dará o lugar a Varela muito rapidamente.

Paulo Bento tem uma tarefa hercúlea pela frente: devolver a confiança aos jogadores, fazer mexidas estruturais para as quais não terá os jogadores indicados (centro da defesa e meio-campo defensivo) e lutar contra a fragilidade demonstrada pela equipa que a torna alvo fácil das arbitragens. Aquele perfil façanhudo de quem parece disposto a ir à tromba ao primeiro que lhe faltar ao respeito, parece não enganar na predisposição de alcançar os objectivos. Assim ele saiba que a massa associativa e adepta do Sporting quer muito mais do que resultados.
Anseia por amor-próprio e respeito e mostrar ao mundo aquilo de que mais se orgulha: dos seus "bebés".

    ## Mandume ##

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